Me desculpem

Peço desculpas a todos que acompanham este blog, e a todos que aqui vêm a procura de uma palavra de paz. Fiquei algum tempo sem postar nada, mas vou procurar pelo menos postar uma mensagem de paz todo dia. Começando pela mensagem de Natal um pouco atrasada.


Muito obrigado a todos, e que os espíritos de luz iluminem todos os seus passos


Manoel Gonçalo (DJ Dejota)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O CULTO AOS MORTOS NUMA VISÃO KARDECIANA




O Homem só começa a ser Homem, quando começa a enterrar seus mortos, diz-nos o historiador Aníbal de Almeida Fernandes, em "A Genealogia como fator básico na formação da Civilização", e conclui: É o marco divisório entre o animal e o primeiro homem, e ocorreu há cerca de 40.000 anos com o Homo Sapiens e o Homo Neanderthal, antes mesmo da agricultura, e é o início da história humana. O sentimento de cultuar os mortos foi moldado, pois, a partir de época bem remota e está sedimentado em quase todas as tendências religiosas. As comunidades primitivas, peninsulares, agropastoris, inclinadas ao culto agrícola e ao culto da fertilidade, acreditavam, originariamente, que, em sepultando seus mortos nas proximidades dos campos agrícolas, os espíritos desses cadáveres ressurgiriam à vida com mais vigor, quais sementes plantadas em solo fértil, mas criam que isso se daria como algo secreto e misterioso. Com essa crença, reverenciavam-se os mortos próximos às tumbas, com festas e, sobretudo, com muita alegria, prática que se estendeu viva em algumas culturas contemporâneas. Os costumes dos povos primitivos foram se modificando devido à influência de outros, vindos, provavelmente, do norte da África (os Iberos) e do centro da Europa (os Celtas). Veja-se o que nos revela um dos expoentes da Doutrina Espírita: "É dos gauleses que vem a comemoração dos mortos, (...) só que, em vez de comemorar nos cemitérios, entre túmulos, era no lar que eles celebravam a lembrança dos amigos afastados, mas não perdidos, que eles evocavam a memória dos espíritos amados que algumas vezes de manifestavam por meio das druidisas e dos bardos inspirados". (1)
Ressalte-se, aqui, que os gauleses evocavam os ancestrais mortos (divindades) nos recintos de pedra bruta. As druidisas (sacerdotisas) e os bardos (poetas e oradores inspirados) eram verdadeiros "médiuns" e somente eles tinham consentimento para consultarem os oráculos (na Antiguidade, resposta de uma divindade a quem a consultava).
Os gauleses, portanto, não veneravam os restos cadavéricos, mas a alma sobrevivente, e era na intimidade de cada habitação que celebravam a lembrança de seus mortos, longe das catacumbas, diferentemente dos povos primitivos. A Festa dos Espíritos era de suma importância para eles, pois homenageavam Samhain, "O Senhor da Morte", festividade, essa, iniciada sempre na noite anterior a 1º de novembro, ou seja, no dia 31 de outubro. Essa celebração marcava o fim do verão e o fim da última colheita do ano. Acreditavam que os espíritos dos mortos, nos meses de inverno, sairiam dos túmulos gelados para visitarem suas antigas moradias aquecidas e orientar seus familiares. Os bons, supostamente, os protegeriam, mas, para confundirem os maus espíritos, vestiam-se de fantasias, o que deu origem à tradicional festa de Halloween dos nossos dias.
Porém, uma densa bruma desceu sobre a terra das Gálias, através do tacão de Roma, que expulsou os druidas e impôs o Cristianismo clérico. Esse período histórico de frenética agitação, mais tarde foi mutilado pelos bárbaros, sobrevindo uma madrugada de dez séculos (a obscura Idade Média), que proscreveu o espiritualismo e entronizou a superstição, o sobrenatural, o milagre, a beatificação, a santificação e a definitiva narcotização da consciência humana, levando-a ao analfabetismo espiritual.
A história oficial da Igreja registra que foi no Mosteiro beneditino de Cluny, no sul da França, no ano de 998, que o Abade Odilon promovia a celebração do dia 2 de novembro, em memória dos mortos, dentro de uma perspectiva catolicista. Pela influência que esse Mosteiro, então, exercia na Europa setentrional, propagou-se com rapidez a nova celebração, até porque veio de encontro aos costumes já arraigados em todas as culturas, cada qual com seu entendimento e sua prática, obviamente, quanto a cultuar os mortos. Somente em 1311 foi sancionada, em Roma, oficialmente, a memória dos falecidos, mas foi Bento XV quem universalizou tal celebração, em l915, dentre os católicos, cuja expansão da religião auxiliou, ainda mais, a difusão desse costume.
A legislação vigente chega a declarar o dia 2 de novembro como feriado nacional, com o objetivo de as pessoas poderem homenagear seus parentes e amigos falecidos. Nós, os espíritas, somos questionados sobre o tema: como o Espiritismo analisa o dia dos mortos? Respondemos a essa questão, da seguinte maneira: as religiões falham, excessivamente, no que tange aos ensinos das essenciais noções sobre a imortalidade da alma, muito embora haja uma ou outra que já tenha alguma noção do que seja. Mesmo assim, ainda insigne, se comparada aos ensinamentos de luz, ditados a Allan Kardec, e contidos em "O Livro dos Espíritos". Daí a razão pela qual, no dia dos finados, as pessoas se dirigem aos "campos santos", como se o cemitério fosse a morada eterna daqueles que desencarnam. "O Livro dos Espíritos" nos ensina o respeito aos desencarnados como um impositivo de fraternidade, sem que materializemos esse sentimento frente aos túmulos, nem que tais lembranças ou homenagens sejam realizadas em um dia especial, oficialmente estabelecido.
Nos dias de hoje, essa celebração se desviou, e muito, do ritual religioso, transportando-se do foco sentimental e emocional para o comercial, uma vez que a mercantilização de flores, velas, santinhos, escapulários, e a eventual preocupação para a conservação dos túmulos (normalmente, só são lembrados em novembro) respondem por esse protocolo social. O zelo com que são cuidados os túmulos só tem algum sentido para os encarnados, que, aliás, devem se precaver para não criarem um estranho tipo de culto. Não devemos converter as necrópoles vazias em "salas de visita do além", como diz Richard Simonetti, (2) até porque, há locais mais indicados para nos lembrarmos daqueles que desencarnaram.
Ainda que não reprovemos, de maneira absoluta, as pompas fúnebres, pois a homenagem à memória de um homem de bem, "são justas e de bom exemplo"(3), o Espiritismo revela que o desejo de perpetuar a própria memória nos monumentos fúnebres vem do derradeiro ato de orgulho . "A suntuosidade dos monumentos fúnebres determinada por parentes que desejam honrar a memória do falecido, e não por este, ainda faz parte do orgulho dos parentes, que querem honrar-se a si mesmos. Nem sempre é pelo morto que se fazem todas essas demonstrações, mas por amor-próprio, por consideração ao mundo e para exibição de riqueza ."(4) A tumba é o lugar-comum de encontro de todos os homens e nela se findam, impiedosamente, todas as distinções sociais. Em face disso, é inútil o rico tentar perpetuar a sua memória por meio de faustosos monumentos. Os anos os destruirão, assim como o seu próprio corpo. Essa é a Lei da natureza. A recordação das boas e más ações será menos perecível que o seu túmulo. A pompa dos funerais não o deixará limpo de suas torpezas e não o fará ascender sequer um degrau na hierarquia espiritual.(5)
Procuramos, mais, o lado cômodo, arraigando-nos ao formalismo material e desprezamos a essencialidade do ser, motivo pelo qual obrigou Jesus a se expressar aos escribas e fariseus da sua época: " sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos de cadáveres e de toda espécie de podridão".(6)
Da questão 320 à 329 do Livro matriz, que deu origem ao Espiritismo, recebemos lições de extrema importância sobre funerais e celebração em memória dos "mortos", vejamos: os Benfeitores afirmam que os chamados "mortos" são sensíveis à saudade dos que os amavam na Terra e que, de alguma forma, " a sua lembrança aumenta-lhes a felicidade, se são felizes, e se são infelizes, serve-lhes de alívio."(7) Porém, em se referindo ao dia dos "finados", atestam que é um dia como outro qualquer, até porque os espíritos são sensíveis aos nossos pensamentos, não às solenidades humanas. No dia dos finados eles só " reúnem-se em maior número, porque maior é o número de pessoas que os chamam. Mas cada um só comparece em atenção aos seus amigos, e não pela multidão dos indiferentes."(8)
Não podemos desconhecer que o pensamento é uma força e que é o atributo característico do ser espiritual; "é ele que distingue o espírito da matéria; sem o pensamento o espírito não seria espírito. (...)se tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam! O pensamento age sobre os fluídos ambientes, como o som sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Assim, pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si e, ao mesmo tempo, assistem os Espíritos e são por estes assistidos ".(9)
A tradicional visita ao túmulo, em massa, não significa que venha trazer satisfação ao "morto", até porque uma prece feita em sua intenção vale mais. É bem verdade que a " visita ao túmulo é uma maneira de manifestar que se pensa no Espírito ausente: é a exteriorização desse fato (...) mas é a prece que santifica o ato de lembrar; pouco importa o lugar se a lembrança é ditada pelo coração. "(10) Conhecemos pessoas (aliás muitas delas) que solicitam, antes mesmo de morrerem, que sejam enterradas em tal ou qual cemitério. Essa atitude, sem sombra de dúvida, demonstra inferioridade moral. "O que representa um pedaço de terra, mais do que outro, para o Espírito elevado?"(11)
Quanto às honras que tributam aos despojos mortais de parentes e amigos, o Espiritismo esclarece que no momento em que o Espírito chega a um certo grau de perfeição não tem mais a vaidade da sociedade humana e compreende a futilidade de tais solenidades, Contudo, faz uma ressalva sobre alguns, pois há "Espíritos que, no primeiro momento da morte, gozam de grande satisfação com as honras que lhes tributam, ou se desgostam com o abandono a que lançam o seu envoltório, pois conservam ainda alguns preconceitos deste mundo."(12)
O defunto assiste ao seu enterro? "Muito frequentemente o assiste".(13) Esclarecem os Benfeitores - "algumas vezes não percebe o que se passa, se ainda estiver perturbado" (14) - complementam.
Muitas vezes o falecido presencia seus herdeiros em reuniões de partilhas, engalfinhando-se quais chacais em disputa pela herança. "Nessa ocasião que [o falecido] vê quanto valiam os protestos que lhe faziam. Todos os sentimentos se tornam patentes, e a decepção que experimenta, vendo a rapacidade dos que dividem o seu espólio."(15).
Reflitamos juntos: o dia 02 de novembro é consagrado aos falecidos libertos ou aos mortos que ainda estão jungidos à vida material? Existem duas possibilidades de mortos: os que se sentem totalmente livres do arcabouço carnal, porém "vivos" para uma vida espiritual plena, e os que permanecem com a sensação de que, ainda, estão encarnados, porém "mortos" para a vida física, pois somente vivenciam, na espiritualidade, a vida animal. " Para o mundo, mortos são os que despiram a carne; para Jesus, são os que vivem imersos na matéria, alheios à vida primitiva que é a espiritual. É o que explica aquele célebre ensinamento evangélico, em que a pessoa prontificou-se a seguir o Mestre, mas antes queria enterrar seu pai que havia falecido, e Jesus conclamou" (16)- "Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos, tu, porém, vai anunciar o Reino de Deus".(17)
A visitação aos túmulos é um ato exterior, que evoca a lembrança dos entes queridos desencarnados e é a maneira de as pessoas demonstrarem a saudade e o carinho que sentem por eles, mas só terá o seu devido valor, se essa atitude for realizada com subida intencionalidade. Não deve, portanto, representar um compromisso social e nem ser eivada de manifestações de desespero, de cobranças, de acusações, como sói ocorre em muitas ocasiões. Em verdade, se a visitação aos túmulos não é condenável, ela é totalmente desnecessária, até porque o falecido não se encontra no cemitério, podendo ser lembrado e homenageado através da prece, a qualquer momento e em qualquer lugar. Portanto, nossos entes queridos já falecidos podem ser lembrados na própria intimidade e aconchego do lar, ao invés da frieza dos cemitérios e catacumbas.
É óbvio que "faz sentido rememorar com alegria e não lastimar os que já partiram, e que estão plenamente vivos. Finados é uma mistura de alegria e dor, de presença-ausência, de festa e saudade. Aos que ficamos por aqui, cabe-nos refletir e celebrar a vida com amor e ternura, para depois, quiçá, não amargar no remorso. Aos que partiram, nossa prece, nossa gratidão, nossa saudade, nosso carinho, nosso amor!" ( 18)
Se formos capazes de orar, com serenidade e confiança, transformando a saudade em esperança, sentiremos a presença dos parentes e amigos desencarnados entre nós, envolvendo-nos o coração com alegria e paz. Por esta razão e muitas outras, façamos do dia 2 de novembro um dia de reverência à vida, lembrando carinhosamente os que nos antecederam de retorno à pátria espiritual, e também os que conosco ainda jornadeiam pelos caminhos da existência terrena.

FONTES:
(1) Denis, Leon. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio de Janeiro: Ed.CELD. 1995. p. 180
(2) Disponível em http://comunidadeespirita.com.br/Imortalidade/quemtemmedo/estranho%20culto.htm
(3) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 824.)
(4) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Pergs. 823 e 823a.
(5) Idem (Ver item 320 e seguintes)
(6) (Mateus 23:27)
(7) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 320
(8) Idem pergunta 321-a
(9) Kardec, Allan. Revista Espírita, dezembro de 1864 – "Da Comunhão do pensamento"
(10) Idem pergunta 323
(11) Idem pergunta 325
(12) Idem pergunta 326
(13) Idem pergunta 327
(14) Idem pergunta 328
(15) Artigo de João Demétrio intitulado: Finados a Luz do Espiritismo, disponível no site (16) http://www.feal.com.br/colunistas.php?art_id=6&col_id=9> acessado em 26/10/07
(17) (Lucas nove, 51-62)
(18) Editorial do Jornal Mundo Espírita – novembro 2006

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